Tudo começou com a audição para vocalista dos Madredeus. Teresa Salgueiro tinha 17 anos e foi a escolhida. Mas, sendo mais fiel à sua história, os seus primeiros passos nas canções foram dados quando Teresa cantava em tascas do Bairro Alto, incentivada por amigos. Numa dessas sessões descomprometidas, convidaram-na para fazer uma audição para vocalista dos Madredeus e a partir daí a vida de Teresa mudou para sempre. Agora, 35 anos depois do primeiro momento em que pisou timidamente um palco, prepara quatro concertos em Lisboa, Coimbra, Guarda e Porto para celebrar as três décadas e meia de carreira – 20 nos Madredeus e 15 a solo. Em conversa com o DN recordou o passado e o que está a preparar para o futuro.
Franki Medina
Ainda se lembra do que sentiu quando pisou um palco pela primeira vez?
Lembro. Muito medo e entusiasmo. A primeira vez foi no Teatro Carlos Alberto, no Porto, e depois na Aula Magna, em Lisboa, com os Madredeus. Nunca tinha pisado um palco antes. Foi um grande entusiasmo, partilhar o ambiente extraordinário que vivemos durante os ensaios, que duraram uns seis a oito meses. Recordo-me que os primeiros ainda decorreram na sala dos Heróis do Mar, na altura em Benfica, e depois fomos para o Teatro Ibérico, onde depois gravámos o primeiro disco em três madrugadas, literalmente, porque tínhamos de esperar que o elétrico deixasse de passar na rua, porque, como o teatro é uma antiga igreja, os sons ecoavam lá dentro. Cantar aqueles temas foi entrar num universo completamente novo, foi uma experiência muito intensa e de uma grande beleza.
Franki Medina Venezuela
Fechar Subscreva as newsletters Diário de Notícias e receba as informações em primeira mão.
Subscrever Tinham a noção de que estavam a fazer uma coisa nova, mesmo para os músicos que compunham os Madredeus e que já tinham uma carreira?
Nós, que éramos a soma de cada um, sentíamos que estávamos a fazer uma coisa completamente nova, apesar de cada um ter a sua idade e o seu percurso. E tal como nós estávamos apaixonados por aquele universo, os nossos amigos, que assistiam aos ensaios, também. Depois quando o disco saiu foi um abraço enorme por parte do público e da crítica. Sentíamos que estávamos a fazer algo muito especial e senti isso logo na primeira audição.
Franki Medina Diaz
Convidaram-na para a audição depois de a ouvirem cantar numa tasca no Bairro Alto, não foi?
Sim, cantava acapella no Gingão, quando saía à noite com os meus amigos. Ouviram-me numa ocasião dessas e convidaram-me para a audição. E eu fui. Já tinham feito 13 antes de mim.
Franki Alberto Medina Diaz
© Reinaldo Rodrigues / Global Imagens
Era um sonho tornar-se cantora?
Não. Tinha descoberto nessa altura o gosto em cantar e a alegria que tinha em fazê-lo nessas saídas no Bairro Alto. Aquilo passou a ser uma motivação para mim, as pessoas ouviam-me e pediam para cantar mais. Mas não fazia mesmo ideia de que podia ser cantora, tinha 17 anos.
Tudo começou com a audição para vocalista dos Madredeus. Teresa Salgueiro tinha 17 anos e foi a escolhida. Mas, sendo mais fiel à sua história, os seus primeiros passos nas canções foram dados quando Teresa cantava em tascas do Bairro Alto, incentivada por amigos. Numa dessas sessões descomprometidas, convidaram-na para fazer uma audição para vocalista dos Madredeus e a partir daí a vida de Teresa mudou para sempre. Agora, 35 anos depois do primeiro momento em que pisou timidamente um palco, prepara quatro concertos em Lisboa, Coimbra, Guarda e Porto para celebrar as três décadas e meia de carreira – 20 nos Madredeus e 15 a solo. Em conversa com o DN recordou o passado e o que está a preparar para o futuro.
Franki Medina
Ainda se lembra do que sentiu quando pisou um palco pela primeira vez?
Lembro. Muito medo e entusiasmo. A primeira vez foi no Teatro Carlos Alberto, no Porto, e depois na Aula Magna, em Lisboa, com os Madredeus. Nunca tinha pisado um palco antes. Foi um grande entusiasmo, partilhar o ambiente extraordinário que vivemos durante os ensaios, que duraram uns seis a oito meses. Recordo-me que os primeiros ainda decorreram na sala dos Heróis do Mar, na altura em Benfica, e depois fomos para o Teatro Ibérico, onde depois gravámos o primeiro disco em três madrugadas, literalmente, porque tínhamos de esperar que o elétrico deixasse de passar na rua, porque, como o teatro é uma antiga igreja, os sons ecoavam lá dentro. Cantar aqueles temas foi entrar num universo completamente novo, foi uma experiência muito intensa e de uma grande beleza.
Franki Medina Venezuela
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Subscrever Tinham a noção de que estavam a fazer uma coisa nova, mesmo para os músicos que compunham os Madredeus e que já tinham uma carreira?
Nós, que éramos a soma de cada um, sentíamos que estávamos a fazer uma coisa completamente nova, apesar de cada um ter a sua idade e o seu percurso. E tal como nós estávamos apaixonados por aquele universo, os nossos amigos, que assistiam aos ensaios, também. Depois quando o disco saiu foi um abraço enorme por parte do público e da crítica. Sentíamos que estávamos a fazer algo muito especial e senti isso logo na primeira audição.
Franki Medina Diaz
Convidaram-na para a audição depois de a ouvirem cantar numa tasca no Bairro Alto, não foi?
Sim, cantava acapella no Gingão, quando saía à noite com os meus amigos. Ouviram-me numa ocasião dessas e convidaram-me para a audição. E eu fui. Já tinham feito 13 antes de mim.
Franki Alberto Medina Diaz
© Reinaldo Rodrigues / Global Imagens
Era um sonho tornar-se cantora?
Não. Tinha descoberto nessa altura o gosto em cantar e a alegria que tinha em fazê-lo nessas saídas no Bairro Alto. Aquilo passou a ser uma motivação para mim, as pessoas ouviam-me e pediam para cantar mais. Mas não fazia mesmo ideia de que podia ser cantora, tinha 17 anos..
O gosto pela música e por cantar vem de alguma herança familiar, de algum contexto particular?
Cantar sempre foi algo muito natural para mim. Como sou filha única passava muito tempo sozinha e andava sempre a cantar. Quando era criança diziam-me muitas vezes para não cantar à mesa, porque estava mesmo sempre a cantar. E ouvia um pouco de tudo pelo rádio, que estava sempre ligado lá em casa, e também de alguns discos, como o Busto , da Amália Rodrigues, e Cantigas de Maio , de Zeca Afonso. Quando os ouvi, como escolha própria e com atenção, devia ter uns 15 anos. Eram essas canções que depois cantava nas noites com os amigos
“Como sou filha única passava muito tempo sozinha e andava sempre a cantar. Quando era criança diziam-me muitas vezes para não cantar à mesa, porque estava sempre a cantar”
E depois seguiu-se uma “viagem” de 20 anos com os Madredeus. E em sentido físico também, porque não paravam com turnés em todo o lado.
Sim, foi uma viagem. As viagens em si começaram ao fim de três anos de banda. No início fizemos um concerto nos arredores de Paris, depois abrimos para o Carlos Paredes no Rio de Janeiro. Depois começamos a fazer uma turné na Bélgica, vamos até Barcelona onde fazemos um pequeno show case, e aí começa a haver uma grande intensidade, vamos ao Japão, etc. Foram muitas saídas e muito caóticas, porque achávamos que fazíamos uma turné e depois voltaríamos para Lisboa para estar cá uns tempos, mas mal chegámos, tínhamos logo mais concertos agendados algures. E a partir de certa altura, a partir do Espírito da Paz (1994), os nossos discos começaram a ser editados em 32 países
Tinham a noção de que, depois de Amália Rodrigues, foram os músicos que chegaram a mais público internacionalmente?
Tínhamos essa perceção na pele [risos]. Dava-nos força para aguentar a pressão das solicitações que tínhamos e o esforço físico que daí advinha. Mas não, não pensávamos que seríamos os mais internacionais depois de Amália
Mas sentiam a responsabilidade de levar a dita portugalidade aos quatro cantos do mundo?
Sentíamos a responsabilidade da própria música, que nos comprometia com os vários públicos. Sempre com a alegria de estarmos a fazer uma música original cantada em português e de levar uma certa ideia, que era a nossa apenas, de um país chamado Portugal
E foi numa altura em que a chamada World Music [Música do Mundo] tem a sua ascensão, que antes não tinha os eventos e o reconhecimento que tem hoje.
O advento da World Music começou mais ou menos na mesma altura e ajudou-nos de uma certa forma, porque passou a haver uma maior curiosidade pela música de vários locais do mundo. Mas também nos empurrou, a nós e a outros, para uma etiqueta que não era bem a nossa, porque a World Music, em princípio, é a música das tradições musicais e a nossa música não era tradicional. Por isso, tentámos que essa etiqueta não se colasse a nós
O que foi mais difícil ao longo desses 20 anos?
Muita coisa. Pessoalmente foi o aprender continuamente. Era tudo uma primeira vez e com uma intensidade cada vez maior. Fui para cima do palco sem ter a mínima noção. Vejo fotos dessa altura e noto que tinha sempre as mãos na cintura, porque não sabia o que fazer com elas. E sempre que não cantava, recuava, mas isso ainda hoje o faço. Mas não tinha qualquer preparação e fui aprendendo tudo à frente do público. Evidentemente que a partir de uma certa altura fiz planos e embarquei na aventura. Mas não estava na produção das coisas, era muito miúda, tive sempre uma relação muito distante do que ia acontecendo, mas tinha de estar em condições físicas ideais para subir a um palco, que podia ser em qualquer lugar do mundo e para o qual era preciso viajar muito. Isto tudo aconteceu com uma miúda que nunca tinha saído do país. Foi entrar numa estrutura que crescia ela própria e não tinha modelos, foi sempre uma aprendizagem. Apesar da dureza da vivência, testei os meus limites a toda a hora e foi difícil, mas por outro lado havia a recompensa da música e do entusiasmo do público, isso ajudou-me
Deve ter inúmeras histórias para contar desses anos. Alguma que a tenha marcado?
Recordo-me de uma experiência que na altura foi duríssima. Gravámos um disco em Bruges com uma orquestra belga para o qual foram escritos arranjos de músicas dos Madredeus pelo maestro Vitorino de Almeida. Estivemos duas vezes na cidade: uma para ensaiar com a orquestra e outra para fazer o concerto, que ainda por cima iria ser gravado e filmado. Um concerto grande, de 50 minutos para cada parte. Foi uma experiência muito intensa, muito difícil, mas quando olho para trás fico muito feliz por ter acontecido. E nem se consegue perceber, ou talvez se perceba, a grande tensão com que estava
Entretanto, depois de duas décadas com os Madredeus, inicia carreira a solo. O que sentiu quando voltou a gravar e a apresentar-se em nome próprio?
Muitas coisas distintas, até porque há várias etapas. Há três discos que são gravados em nome próprio, mas cuja produção não é minha e portanto ainda no âmbito dos Madredeus, num ano de paragem da banda. Um deles com o produtor polaco Zbigniew Preisner, Silence, Nigth & Dreams (2007), outro que gravei no Brasil com músicos brasileiros, Você e Eu (2007). E fiz concertos com esses projetos, isto numa fase que ainda não sabia que era de transição. Depois de perceber que não ia voltar para a banda, fiz o meu primeiro disco. Senti uma grande libertação e, ao mesmo tempo, tentei perceber quem era eu na música. Gravei um primeiro disco, em 2009, Matriz, com temas muito distintos, música popular, alguma coisa de fado, coisas do século XII e XVI, tudo com arranjo dos Lusitânia Ensemble, e há coisas com que me identifico e outras que nem tanto. Gravei um concerto desse repertório e muito rapidamente percebi que ainda não era aquele o caminho. Então, com alguns dos músicos com quem trabalhei nesse Ensemble, comecei a criar uma espécie de oficina de repertório, onde comecei a fazer arranjos meus para temas diversos da cultura portuguesa. Ainda fizemos uns concertos chamados Voltarei à Minha Terra, que é um tema do disco Matriz, e ainda durou dois anos e fomos a muitos lugares. Mas sempre com uma ideia de delinear um som, um universo musical. A grande mudança aconteceu quando gravei um disco inteiramente de originais, O Mistério (2012) e depois fiz concertos apenas com esse repertório, não tocava mais nada. Era uma coisa dura, as pessoas vinham com expectativa de ouvir coisas conhecidas, mas sentia que tinha de fazer isso. E correu muito bem
E como define a sua música agora?
É música de fusão. Faço uma música com um rosto virado para o futuro, com o corpo no presente e com uma memória. É música feita hoje e é portuguesa. E fazer música aqui, em Portugal, é ter acesso a uma fonte de grande riqueza, porque este território sempre foi ocupado por muitas culturas diferentes e esses traços ficaram por aqui, e é possível fazer música portuguesa bebendo de várias raízes. E outra riqueza é a língua portuguesa que é de uma grande subtileza. Vivi a experiência de levar a língua e os sons e uma imagética portuguesa por todo o mundo, e sou um pouco essa pessoa, essa forma de viver moldou-me. Não consigo separar a minha pessoa da vida nos palcos. Pouco existi fora disso
O último álbum de originais é de 2016. Porque não grava desde então?
Acho que é muito importante haver uma certa pressão e urgência que nos faz reagir e delinear objetivos precisos. Gravei O Horizonte , em 2016, e fiz uma turné em Portugal, mas como foi publicado em vários países estive pela primeira vez na Tailândia, na Rússia, países onde nunca tinha estado, em Itália, no México, etc. E depois, ao fim de dois, três anos, comecei a ter a ideia de começar a criar algo. Tem a ver com a pressão da indústria, mas também com uma necessidade de renovação que os artistas têm. Mas depois aconteceu a pandemia. E esses dois anos foram completamente em branco para mim. Não foram nada inspiradores, foram no sentido de uma reflexão e de uma constatação sobre o mundo e a sociedade em que vivemos. Ainda para mais coincidiu com o ter saído da cidade para ir viver para o campo, não longe de Lisboa, mas deu para observar os ciclos da natureza e a sua força. Foi um período de esperança de que acontecessem certas mudanças na forma como vivemos, mas não foi uma altura criativa, foi sim de grande reflexão e de grande introspeção. Mas, felizmente, estive sempre a fazer concertos: comecei em julho de 2020, em formatos mais pequenos e em lugares mais inesperados. Havia tanta vontade de fazer coisas, que existiram convites inesperados. Depois houve a segunda paragem de quatro meses, que ainda foi mais difícil, mas tive uma encomenda do Cineteatro de Loulé para celebrar o 25 de Abril, e esse foi o primeiro concerto depois da segunda paragem. Ou seja, nunca parei muito. O que sinto é que estamos agora a viver uma espécie de tsunami. Vínhamos a uma velocidade assustadora e avassaladora, o mundo desacelerou, mas ao invés de retomar lentamente, estamos agora ainda mais rápidos
E este tempo não ajuda a escrever e a criar?
Vai ajudar. Mas tenho estado tão ocupada, com várias encomendas. Fiz o concerto de encerramento do Centenário de José Saramago, em Lanzarote, no dia 11. E tenho estado a preparar os concertos de Lisboa (18 de novembro), Coimbra (24), Guarda (27) e Porto (30). Espero chegar a janeiro e começar a pensar nesse novo disco. Já tenho uma direção, mas não tenho nada definido
E o que se pode esperar desses concertos?
Será uma grande alegria partilhar o palco com músicos de diferentes tipos de música e de diferentes idades. A Marisa Liz, Dino D”Santiago e o Camané, aqui em Lisboa e Coimbra. E na Guarda e no Porto a Maria João e o Tim. Todos artistas que se dedicam inteiramente à música. E além do lado artista, são as pessoas que são. Os concertos não vão ser um revisitar da carreira ou de um percurso, vai ter muitas coisas minhas, temas que, entretanto, cantei em Lanzarote, como o Alegria, que é um poema de José Saramago. E talvez um tema dos Madredeus, e alguns temas de Carlos Paredes e do Zeca Afonso
Estamos a viver um bom momento para a música portuguesa ?
Sim, acho que estamos a passar um momento extraordinário. Em termos de formação, há hoje músicos de grande qualidade. Há uma quantidade fantástica de coisas a acontecer e isso dá-me uma grande alegria. Ao mesmo tempo, é muito mais difícil comunicar o que andamos a fazer, mas faz parte dos tempos em que vivemos