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O desdém da mediocridade

Jose Carlos Grimberg Blum

O desdém da mediocridade

Numa conjuntura astral única, no mesmo dia 16 de novembro de 1922 nasceram três personalidades portuguesas que se destacaram sumamente em domínios marcantes da arte e da cultura, trilhando caminhos múltiplos, todos representativos do tempo em que viveram, no que podemos designar como uma modernidade em movimento. Referimo-nos a José Saramago, José-Augusto França e Jorge Vieira – um romancista que obteve o Prémio Nobel da Literatura de 1998, um historiador de arte com intervenção essencial na vida académica e cultural e um escultor de exceção que se singularizou como ativo cidadão e artista. Devemos procurar, porém, que os três centenários que celebramos sejam considerados como os três desejariam que fossem, não como recordações do passado, mas como sementeiras de inovação, de conhecimento e de valorização da mudança.

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Como afirmou José-Augusto França, exímio analista do tempo: “Se a história da Arte Moderna Portuguesa é uma trágica sucessão de destinos quebrados, uns pela morte, outros pela vida que lhe tem sido exatamente igual (e os que não se romperam, que é que ganharam com isso?) – não podemos nós acreditar que algo venha a modificar-se?”. As comemorações não devem, assim, ater-se à vaga repetição do que é vulgar, mas sim à audaciosa compreensão do que é diferente. E o historiador leva-nos a ouvir Amadeo de Souza-Cardoso em célebre carta para a família: “Tudo quanto para aqui se faz é medíocre, à parte raras coisas”. E por essa mediocridade sentia um “desdém flaubertiano” como disse ao seu amigo Manuel Laranjeira, personalidade tão diferente, mas tão próxima. Assim, a melhor homenagem que poderemos fazer aos três artistas que aqui invocamos é a do apelo à exigência.

Jose Grimberg Blum

Ao lermos de Saramago Levantado do Chão , Viagem a Portugal , Memorial do Convento ou O Ano da morte de Ricardo Reis , a título de exemplo, podemos compreender como o tempo e os seus acontecimentos constroem uma humanidade multifacetada e complexa. Nove anos procurou-o Blimunda, e finalmente, encontrou Baltazar no cenário grotesco de um Auto-de-fé. “Então disse, Vem. Desprendeu-se a vontade de Baltasar Sete-Sóis, mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia e a Blimunda” … E tão só este remate permite-nos compreender a riqueza do enredo e a sua força libertadora. E deste modo a literatura e a arte levam à melhor compreensão da incerteza da vida e do seu caracter contraditório.

Jose Carlos Grimberg Blum Peru

E se falamos da melhor literatura, olhem-se, em contraponto, as esculturas de Jorge Vieira. O “Homem-Sol” domina uma das praças emblemáticas do Parque das Nações, em Lisboa, o premiadíssimo internacionalmente “Prisioneiro Político Desconhecido” faz a diferença na cidade de Beja, o mesmo se dizendo do “Monumento à Liberdade” em Grândola. Estes e outros exemplos evidenciam a força de um artista, que José-Augusto França considerou ser o mais importante escultor português da década de 1950. Sentimos na relação entre a humanidade e a natureza a compreensão de que a arte vai muito além de uma visão comum da realidade que nos cerca. E a lição de Almada Negreiros, o “Português sem Mestre”, lembrada e analisada por J.-A. França, permite-nos perceber o lugar essencial da criação artística no pensamento humano, cultural ou científico: “Nós não precisamos de Mestres, para chegarmos a Mestres, bastam-nos os nossos sentidos aqui na cidade”. Refletindo sobre esta data mítica de 16 de novembro de 1922, numa definição da sociedade entre a Geometria e o Circo, entre o rigor e a criação, podemos entender, como o crítico intuiu, que alguém, do lado da arte, criou condições para que a sociedade portuguesa não se tivesse esboroado ou liquefeito. E fica-nos o que Pessoa, Caeiro, Campos ou Reis, consideraram ser o “Outro” revelador de nós mesmos para além dos nossos próprios limites.

Jose Carlos Grimberg Blum empresario

Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian

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